quinta-feira, 17 de julho de 2014

Sobre o papel do Estado

A discussão sobre o papel que o Estado deve ter na vida das pessoas é antigo, mas sempre muito atual. Diante de sociedades tão distintas, não chegamos ainda, e provavelmente nunca chegaremos, a uma fórmula perfeita e definitiva e sabemos bem que o debate costuma ser dominado por visões ideológicas e circunstanciais.
Com certo grau de certeza, no entanto, duas afirmações podem ser feitas. A primeira delas é que já descartamos empiricamente os extremos. A presença sufocante do Estado não nos interessa, assim como sua total ausência nos leva a um caos intolerável. Como consequência disso, chegamos à segunda constatação: o Estado precisa existir em grau e dimensão adequado, cumprindo as funções de regular, criando regras a fim de garantir um convívio pacífico, respeitoso e justo nas oportunidades oferecidas a todos. 
Entre esses dois lados, no entanto, existe um mar cinzento sobre o qual precisamos sempre refletir a respeito e navegar com cautela. Entretanto, a grande questão, para a qual buscamos sempre uma resposta é identificar até onde vai, afinal, a prerrogativa estatal de regulamentar e, em última instância, limitar a liberdade das pessoas e empresas na esfera social e econômica? 
Se os governos estão ai para criar regras de condutas e convívio, existem obviamente para criar limites. Isso é natural e totalmente compreensível. Minha liberdade termina onde começa a dos outros, como observa o dito popular. Mas quais são esses limites? Pode, o Estado, querer regulamentar tudo? Já sabemos que não. 
Os constantes debates em torno da indústria da cerveja caem como uma luva para exemplificar essa questão. Existem limites claros em torno do tema, apoiados inclusive por nós, que fazemos parte desta indústria. Nós defendemos um consumo responsável de nossos produtos, pois sabemos que o consumo indevido de nossos produtos não é saudável, muito menos sustentável a longo prazo. Dedicamos tempo e recursos para criar campanhas educativas, desenvolver pesquisas, apoiar iniciativas da sociedade civil organizada, sempre com o objetivo final de garantir ao nosso consumidor a melhor relação possível com nosso produto, que é, por sinal, apreciado há muito mais tempo do que o debate em torno do papel do Estado nas sociedades. 
 Por existir a possibilidade de um consumo abusivo, o álcool está sempre no olho do furacão. Sabemos da importância de sua regulamentação equilibrada, que nunca pode ultrapassar a barreira do razoável. Concordamos, por exemplo, que é correta a opção do legislador nacional de proibir a junção entre álcool e direção. Não só apoiamos, como ativamente procuramos modificar atitudes e criar alternativas para garantir que aqueles que dirijam não bebam e aqueles que bebem não se sintam aptos a sentar no banco do motorista. 
Também são corretas as legislações que proibem e punem aqueles que vendem bebidas alcoólicas para menores de idade. Esta norma é reiterada em nossa legislação, e dela faz parte desde 1941. Sempre teve o total apoio da indústria que, do mesmo modo faz campanhas, pesquisas e apoia iniciativas para que seja respeitada.
Compreendemos, no entanto, que o papel do Estado - enquanto regulador, se encerra por ai. Sua análise objetiva já está posta e o limite imposto. 
No caso de álcool e direção, por exemplo, a legislação atual inviabiliza qualquer consumo alcóolico por quem dirige um automóvel. Mais do que isso, entende como criminoso aquele que passa de um limite mínimo, o menor em todo o planeta !
Há quem critique esse rigor. Tanto por falta de razoabilidade, como por impossibilitar, na prática, a punição dos motoristas. Afinal de contas, ao estipular uma quantidade mínima e numérica, o Brasil se viu diante de uma série de decisões judiciais, nos mais diversos Tribunais de Justiça do país, que reconheciam o direito de cidadãos de recusarem a realização do teste do bafômetro como forma de não gerar provas contra si mesmos. 
Mas, independente disso, trata-se de uma prerrogativa do Estado estabelecer tais limites, e isso é completamente aceitável. Por mais equivocada que possa ser uma política pública, ela não pode ser condenada pelo simples fato de existir. 
O problema é outro. Grave é quando o Poder Público passa a tentar ir além, agindo como uma verdadeira babá da sociedade. Muito preocupante é quando esse Estado, seja ele o Executivo, Legislativo ou Judiciário, não confia, a priori, no bom senso social e passa a tentar regulamentar condutas, levando em conta argumentos que não se aplicam à maioria da população, interferindo diretamente em princípios constitucionais que afetam a liberdade de escolha e a economia nacional. 
Chegamos, então, no ponto principal. O limite do Estado é exatamente a fronteira entre a regulamentação objetiva, calcada em regras que visam coibir condutas generalizadas, daquela subjetiva, cujo resultado afetará certos setores, mas que não conseguirá enfrentar o problema de frente. Falamos aqui de normas ineficazes, que não enfrentam o problema real, afetam a atividade econômica, diminuem a oferta de empregos, atrapalham o desenvolvimento econômico, simplesmente porque alguém "acha" que a medida é boa, sem estudos com base em fatos e dados.  
Ao proibir que um motorista beba, ou que o menor consuma bebidas alcoólicas, o Estado cumpre uma função de evitar uma conduta abusiva, o que é o seu papel. É diferente, no entanto, de não permitir a venda de bebidas alcóolicas em certos estabelecimentos em detrimento de outros. 
Surgem atualmente propostas para proibir a venda de bebidas em postos de gasolina. À primeira vista, pode parecer uma proposta sensata. Para o senso comum, poderá fazer todo o sentido, afinal de contas, quem vai ao posto de gasolina está de carro e não pode beber. Se não pode beber, não pode comprar bebida com álcool.  
Nada mais falso e desprovido de qualquer estudo elaborado com base técnica. 
Antes de responder essa pergunta, no entanto, mais algumas observações. Será que é só no posto de gasolina que se vai de carro comprar bebida? Quer dizer que ir ao super mercado, à padaria, ao bar, à festa, ao restaurante, à casa do amigo, sempre de carro e comprar bebida alcoólica pode, mas ir ao posto de gasolina, não. Fora questões alheias à discussões teóricas, existem muitas cidades brasileiras cujo comércio, muitas vezes, se resume a uma loja de conveniência de um posto de gasolina.
Mas será mesmo que o efeito que se obtém disso é a redução do consumo de álcool indevido de bebidas alcoólicas, seja aquele ligado à direção ou ao consumo por menores de idade?
O que não se percebe é alguma evidência que não seja a de que a proibição da compra inibe o ato comercial, mas não chega nem perto de tocar na questão do consumo indevido. 
Se a ideia é proibir a compra e venda de álcool, então será necessário mudar o paradigma mundial atual e proibir a comercialização do produto em todos os estabelecimentos. Acredito que a ideia não é essa e nem teria apoio dos legisladores nos países ocidentais. 
Como não é, não faz sentido, portanto, proibir a venda de bebidas em postos de gasolina ou qualquer outro lugar.
O Estado tem, sim um outro papel, previsto em nossa Constituição, que é o de exercer o monopólio da força para reprimir e desestimular condutas ilegais na sociedade.
A sociedade civil e os empresários, particularmente, tem atuado no sentido de fortalecer este importante capítulo das funções que cabem ao Estado. A indústria de bebidas e a de combustíveis, por exemplo, são pródigas em propor e levar adiante parcerias com organismos do  setor público. Desde a fiscalização para evitar o descumprimento das regras de funcionamento dos setores até o trabalho árduo para evitar a sonegação e a elisão fiscal.

(*) Artigo escrito para o Relatório Anual do Sinducom 2013/2014


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