quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aprendendo com a desordem informativa


Somos uma geração privilegiada. Presenciamos uma verdadeira revolução nos hábitos sociais, econômicos e políticos e com cobertura jornalística praticamente em tempo real. Foi assim do lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, via rádio, passando pela queda das Torres Gêmeas nas telas dos televisores de nossas casas até as recentes manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras e também de nossas redes digitais. O torvelinho de informações em tempo real, com plataformas multimídias,  tornou-se cada vez mais parte do cotidiano. O tempo que havia entre o fato e seu conhecimento público é hoje inexistente, o que torna crítica a tarefa de contextualizá-lo e interpretá-lo. Perde-se o fôlego com a avalanche de informação. A crise da indústria da comunicação não é somente uma circunstância de “mismanagement”. Surge um novo mundo, com seus novos desafios. Neste contexto surgem novidades confusas e polêmicas como, por exemplo, a Mídia Ninja, no Brasil, e as experiências mais sofisticadas do Atavist e da Vice, nos USA, todas de difícil compreensão. Fugir dos parâmetros correntes para buscar o novo, definitivamente não é novidade. Muito menos na área da comunicação social. A luta por uma nova ordem da informação é antiga e tem seus protagonistas gloriosos. No mundo das redes parece fora de propósito falar de hierarquia da informação e das fontes, mas nem sempre foi assim, recém estamos inaugurando esta época. Tive a oportunidade de vivenciar uma dessas experiências. Engenheiro eletricista, trabalhei na área de tecnologia da informação do setor elétrico e militei nas lutas por uma sociedade democrática, pela instalação da Nova República e pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. No início dos anos 90, aceitei o convite para fazer parte de uma organização não governamental, a Inter Press Service - IPS, com sede em Roma. A IPS é uma cooperativa formada por jornalistas de todos os continentes, que tem por objetivo dar voz para os que não a tem, ao atuar como um canal de comunicação que privilegia as opiniões e as preocupações dos mais pobres e busca criar um clima propício para incluí-los no processo de desenvolvimento global. Em maio de 1991, assumi a Direção de Projetos da IPS com o objetivo de ajudar a levantar recursos para a agência. Os projetos de comunicação da IPS são elaborados como uma maneira de aprofundar o trabalho sobre temas específicos, por meio da captação de recursos adicionais por parte dos doadores. A agência, principalmente por meio de seu fundador, o jornalista italiano Roberto Sávio, tem enorme rede de relacionamentos. Contando com esta rede, a agência construiu uma história de concepção, execução e elaboração de projetos de comunicação em praticamente todo o mundo. Essas atividades foram financiadas pela Comissão Europeia, pelas agências das Nações Unidas, pelas agências nacionais de cooperação de vários países desenvolvidos, bem como apoiadas por fundações, organizações da sociedade civil e instituições internacionais. Um projeto de comunicação da IPS é desenvolvido em colaboração com os seus parceiros em todas as suas fases, envolvendo as partes interessadas da mídia, da sociedade civil e comunidades de financiadores. O tema e o escopo dos projetos devem estar alinhados com a linha e as prioridades da IPS e são decididos em um processo de diálogo com os parceiros e patrocinadores financeiros. Algumas vezes, essas questões encontraram resistências no grupo de jornalistas, mas a independência editorial do serviço de notícias sempre foi responsável pela última palavra. Os principais temas da agenda de projetos de IPS foram pobreza e desenvolvimento, sociedade civil, o desenvolvimento sustentável da globalização, o diálogo entre as civilizações e os direitos humanos e questões de gênero. Não existiu um modelo único para um projeto da IPS, mas alguns exemplos foram extremamente relevantes para mim. O primeiro deles foi o treinamento de jovens para aprender a ver e relatar a sua realidade, criando assim uma rede de comunicadores nos lugares mais complicados para a presença de jornalistas profissionais. Assim foi feita a cobertura da retomada da vida rural em El Salvador após mais de uma década de guerra civil. O segundo foi a discussão ampla de determinada pauta jornalística, como os assuntos referentes às crianças. Um grupo de jornalistas, ONGs e funcionários internacionais reuniram-se em Varsóvia para decidir a pauta de cobertura da IPS sobre este tema por um ano. Deste projeto participou o grande jornalista brasileiro Celso Pinto, na época correspondente da Gazeta Mercantil em Londres. Finalmente, a agência aprendeu e especializou-se em produzir jornais diários, em mais de um idioma, para cobrir as grandes conferências internacionais do final do Século XX. O jornal Terra Viva nasceu no Brasil para cobrir a UNCED 92. Fiquei 15 dias dentro da redação e das oficinas do JB, que contratamos para imprimir o jornal.  A IPS foi criada em 1964 e até hoje segue construindo canais de comunicação entre as pessoas. Conhecer a sua história ajuda a ter confiança na superação dos desafios que ora se apresentam para uma indústria de comunicação social que pretenda contribuir no esforço para o desenvolvimento humano.

(*) Artigo publicado na Edição Brasileira da Columbia Journalism Review de out/nov/dez 2013



Nenhum comentário:

Postar um comentário